domingo, 27 de junho de 2010

Querido garoto de lugar nenhum,

Enfim chegou o inverno. Ríspido e frio, assim como o quarto concerto de Vivaldi, o inverno golpeia nossas mentes, tinge a alma de azul e o assobio dos ventos nos faz adormecer. Garoto de lugar nenhum, o batear dos dentes ecoa todas as escuras manhãs como o Allegro non molto. A tristeza da estação Fá menor traz a introspecção. Sou agora o solista em meio a orquestra.
Às vezes sonho com o passado. Não sei por que, meu coração sempre acelera e perco o controle. Por dentro, estremeço. Talvez seja apenas o frio. Talvez seja apenas minha mente insana. Talvez seja nada.
Garoto, descobri que não vale a pena amar. Aliás, descobri que não existe o amor. Descobri que tudo que os velhos nos dizem é mentira. Descobri que a felicidade está apenas nos filmes. Aqui existe apenas a diversão. A vida não passa de diversão. Diversão que nos livra do sangue. Tudo é apenas uma grande e divertida peça teatral que nos distrai e faz esgotar o tempo. Deixar o tempo escorrer pelo ralo, de olhos vendados, é a saída para estancar. Talvez, garoto, nem exista a vida. Não, não ria de mim. Talvez tudo isso não passe de um sonho de uma pequena criança. Talvez eu não esteja aqui. Talvez você não estaja aí. A dúvida é cruel. Chega de suposições vazias e hipóteses maciças.
Garoto de lugar nenhum, não quero ferir ninguém. Não quero fazer ninguém chorar. Só você entende. Sei que está longe, insisto em escrever. Insisto em dizer que talvez não possa voar, desculpa. Insisto em dizer que aqui será sempre calorosamente invernal, claramente sombrio e lindamente feio. A vida é o maior de todos os paradoxos. Cansei de imaginar.
Garoto, ontem a noite andei quadras e quadras sozinho, sem rumo. A lua era única luz visível. Andei por horas, não havia ninguém nas ruas. Não havia janelas abertas nem luzes acessas. Não havia vozes, só o doce assobio do vento. Quando voltei, dormi profundamente. Flutuei por nuvens brancas. Andei por campos de morangos. Toquei em diamantes no céu. Vi a vida por cebolas de vidro. Voei através do universo. Sorri.

Nada vai mudar meu mundo.
Nada.